sexta-feira, 3 de maio de 2013

MÁXIMAS E SÁTIRAS

1
A ociosidade é mãe de toda psicologia. Como? Seria a
psicologia um... vício?
2
O mais corajoso dentre nós dispõe apenas raramente da
coragem de afirmar aquilo que sabe verdadeiramente...
3
Para viver só é necessário ser um animal ou então um deus —
afirma Aristóteles. Falta o terceiro caso: é necessário ser um e
outro, é necessário ser — filósofo...
4
"Toda verdade é simples." — Não existe ai uma dupla
mentira?
5
De uma vez por todas, há muitas coisas que não quero
absolutamente saber. — A sabedoria traça limites, mesmo ao
conhecimento.
6
É naquilo que tua natureza tem de selvagem que restabeleces
o melhor de tua perversidade, quero dizer de tua
espiritualidade...
7
Como? O homem seria tão-somente um equívoco de Deus?
Ou então seria Deus apenas um equivoco do homem?
8
Na Escola Bélica da Vida — O que não me faz morrer me
torna mais forte.
9
Ajuda a ti mesmo: e então todos te ajudarão. Princípio do
amor ao próximo.
10
Não te acovardes diante de tuas ações! Não as repudies depois
de consumadas! O remorso da consciência é indecente.
11
Um asno pode ser trágico? — Perecer sob um fardo que não
se pode nem carregar nem rejeitar?... O caso do filósofo.
12
Se se possui o por quê da vida, põe-se de lado quase todos os
como? — O homem não aspira a felicidade; apenas os ingleses
o fazem.
13
O homem criou a mulher — com o que, afinal? Com uma
costela de seu deus — de seu "Ideal".
14
Como? Procuras? Desejarias multiplicar-te por dez?
Por cem? Procuras adeptos? — Procura zeros!
15
Os homens póstumos — eu, por exemplo — são menos
compreendidos que aqueles que são conformes sua época, mas
escutamo-los melhor. Que eu me exprima mais precisamente
ainda: jamais somos compreendidos — e é disso que advém
nossa autoridade...
16
Entre mulheres. — "A verdade? Oh, não conheces a verdade!
Não é ela um atentado contra nosso pudor?"
17
Eis um artista como os aprecio. É modesto em suas
necessidades: requer, em suma, somente duas coisas. seu pão e
sua arte — panem et Circen...
18
Aquele que não sabe dispor sua vontade nas coisas quer ao
menos atribuir-lhes um sentido: o que o faz acreditar que já
existe uma vontade nelas (Principio ad "fé").
19
Como? Escolheste a virtude e a elevação do coração e ao
mesmo tempo lanças um olhar de inveja às vantagens dos
indiscretos? — Mas com a virtude se renuncia às "vantagens"...
(a ser escrito na porta num anti-semita).
20
A mulher perfeita perpetra literatura do mesmo modo que
perpetra um pequeno pecado: experimentando, de passagem, e
volvendo a cabeça para ver se alguém se apercebeu disso, e a
fim que alguém se aperceba disso...
21
É mister colocar-se apenas nas situações onde não é
permitido ter falsas virtudes, porém onde, como o dançarino
sobre a corda, caímos ou nos mantemos, — ou ainda nos
safamos...
22
"Os homens maus não possuem canções." E como os russos
possuem canções?
23
"O espírito alemão": por dezoito anos uma contra-dictio in
adjecto.
24
A força de querer buscar as origens nos tornamos
caranguejo. O historiador olha para trás e acaba crendo para
trás.
25
A satisfação nos protege até mesmo de resfriados. Uma
mulher que se sabe bem vestida se resfria alguma vez?
Presumo até que possa dar-se o caso de que esteja pouco
vestida.
26
Desconfio de todas as pessoas com sistemas e as evito. A
vontade de sistema constitui uma falta de lealdade.
27
Diz-se que a mulher é profunda — por quê? se nela jamais
chegamos ao fundo. A mulher não é nem sequer plana.
28
Quando a mulher possui virtudes masculinas, não há quem
resista a ela; quando não possui virtudes masculinas, é ela que
não resiste.
29
"Quanto a consciência teve que morder outrora! Que bons
dentes ela tinha! E agora? O que lhe falta?" — Questão dum
dentista.
30
Comete-se raramente uma única imprudência. Com a primeira
imprudência se faz sempre demais e é por isso que se faz
geralmente uma segunda — e então se faz pouco demais...
31
O verme se retrai quando é pisado. Isso indica sabedoria.
Dessa forma ele reduz a chance de ser pisado de novo. Na
linguagem da moral: a humildade.
32
Há um ódio contra a mentira e a dissimulação que procede
duma sensível noção de honra; há um outro ódio semelhante
por covardia, já que a mentira é interdita pela lei divina. Ser
covarde demais para mentir...
33
Quão pouca coisa é necessária para a felicidade! O som duma
gaita. — Sem música a vida seria um erro. O alemão até
concebe o próprio Deus prestes a cantar canções.
34
Só se pode pensar e escrever sentado (G. Flaubert). Eis que te
apanho, niilista! Permanecer sentado é precisamente o pecado
contra o Espírito Santo. Somente os pensamentos que nos
ocorrem ao caminharmos têm valor.
35
Existem casos em que somos como os cavalos, nós os
psicólogos. A inquietude apodera-se de nós porque vemos
nossa própria sombra oscilar diante de nós. O psicólogo deve se
desviar de si para ser capaz de ver.
36
Nós imoralistas prejudicamos a virtude? — Tanto quanto os
anarquistas prejudicam os príncipes. Só depois de terem sido
atingidos de novo se sentam firmemente nos seus tronos.
Moral: é preciso disparar contra a moral.
37
Corres à frente dos outros? — Fazes tal como pastor ou como
exceção? Um terceiro caso seria o desertor... Primeiro caso de
consciência.
38
És verdadeiro? Ou és somente um comediante? És um
representante? Ou então és tudo mesmo a coisa que se
representa? Afinal de contas és apenas talvez a imitação dum
comediante... Segundo caso de consciência.
39
O Desiludido fala. — Procurei grandes homens e sempre
encontrei somente os macacos do ideal deles.
39
O Desiludido fala. — Procurei grandes homens e sempre
encontrei somente os macacos do ideal deles.
40
És daqueles que olham ou daqueles que aplicam as mãos à
coisa? — ou ainda daqueles que desviam os olhos e se mantêm
à distancia? ... Terceiro caso de consciência.
41
Queres acompanhar? Ou preceder? Ou ainda trilhar o seu
caminho? ... É mister saber o que se deseja e se se deseja. —
Quarto caso de consciência.
42
Eram degraus para mim. Servi-me deles para subir — é por
isso que me foi necessário passar sobre eles. Porém se
figuravam que eu ia me servir deles para repousar...
43
Que importa que eu tenha a razão! Disponho de excesso de
razão. — E ri melhor hoje quem ri por último.
44
Fórmula de minha ventura: um sim, um não, uma linha reta,
um objetivo ...

Retirado do livro "O Crepúsculo dos Ídolos ou A Filosofia A Golpes De Martelo" de Friedrich Nietzsche.

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